“Aprofundando agora a reflexão delineada, e fazendo ainda referência ao que foi dito nas Encíclicas Laborem exercens e Sollicitudo rei socialis, é preciso acrescentar que
o erro fundamental do socialismo é de carácter antropológico. De facto,
ele considera cada homem simplesmente como um elemento e uma molécula do organismo social, de tal modo que o bem do
indivíduo aparece totalmente subordinado ao funcionamento do mecanismo económico-social, enquanto, por outro lado, defende que esse mesmo bem se pode realizar prescindindo da livre opção, da sua única e exclusiva decisão responsável em face do bem ou do mal. O homem
é reduzido a uma série de relações sociais, e
DESAPARECE O CONCEITO DE PESSOA COMO SUJEITO AUTÔNOMO DE DECISÃO MORAL, QUE CONSTRÓI, ATRAVÉS DESSA DECISÃO, O ORDENAMENTO SOCIAL. Desta errada concepção da pessoa, deriva a distorção do direito, que define o âmbito do exercício da liberdade, bem como a oposição à propriedade privada.
O homem, de facto, privado de algo que possa «dizer seu» e da possibilidade de ganhar com que viver por sua iniciativa, acaba por depender da máquina social e daqueles que a controlam, o que lhe torna muito mais difícil reconhecer a sua dignidade de pessoa e impede o caminho para a constituição de uma autêntica comunidade humana.” (gn) Centesimus Annus – 13 (
http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_01051991_centesimus-annus_po.html)
O fato do socialismo considerar “cada homem simplesmente como um elemento e uma molécula do organismo social, de tal modo que o bem do indivíduo aparece totalmente subordinado ao funcionamento do mecanismo económico-social” e afirmar que o “homem é reduzido a uma série de relações sociais” não é novidade para quem vive no Brasil e ouve, quase que diariamente, que as faltas de um ser humano em relação a outro – um crime cometido por um em relação a outro, por exemplo – podem ser justificáveis conforme a posição ocupada por esse indivíduo em relação à “estrutura social [supostamente] injusta”. Se um ato é contrário à “estrutura social [supostamente] injusta”, esse ato é justificável, desejável, ainda que injusto e ilegal. Foi isso que ouvimos, por exemplo, na USP, na semana passada, do crítico literário Antônio Cândido, que ao lado de Marilena Chauí, disse aos alunos: “Atuem, exagerem, sejam justos e injustos” (
http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,antonio-candido-e-chaui-dao-equotaulaequot-a-grevistas,388292,0.shtm) Exatamente como lançado pela Igreja acima, para pessoas que pensam assim "desaparece o conceito de pessoa como sujeito autônomo de decisão moral", podendo ser moral algo imoral, justo, algo injusto, lícito (sujeito, portanto, a anistia) algo ilícito.
Para pessoas que pensam assim, crimes cometidos por pessoas tidas por vítimas de uma “estrutura social [supostamente] injusta” são crimes justificáveis (algo muito próximo daquele ditado de que “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”) pois um ato só pode ser considerado certo ou errado após contextualizado com a estrutura social no qual se insere. É assim que a corrupção cometida por políticos que se intitularam paladinos da salvação do povo injustiçado é uma corrupção justificável [(a corrupção pela esquerda não é novidade(1)]. É assim que o seqüestro de pessoas (antes realizado pela esquerda, agora pelos criminosos comuns) quando realizados para enfrentar uma “estrutura social [supostamente] injusta” é um ato justificável (vejam no documentário “Manda Bala” um bandido encapuzado, após explicar as técnicas para cortar as orelhas das pessoas seqüestradas, dizer que seqüestrar pessoas é um trabalho decorrente de sua situação social, que não lhe dá outra opção !?! (
http://www.youtube.com/watch?v=93f7Ej4enW4&feature=related) É assim que crimes cometidos por movimentos que supostamente enfrentam essa “estrutura social [supostamente] injusta”, como o MST, eg, são crimes justificáveis. É assim que a institucionalização de um furto (via desvio de dinheiro público para ONGs inexistentes, eg) com a finalidade de atender às vítimas da “estrutura social [supostamente] injusta” é um ato justificável. É assim que uma ditadura (quando do proletariado) pode ser (e foi desde o início com Marx) considerada justificável. É assim que intelectuais de intelectualidade duvidosa conseguem, por exemplo, criticar a ditadura brasileira ao mesmo tempo em que apoiam a cubana, criticar o nazismo ao mesmo tempo em que se dizem socialistas/comunistas.
A inversão indevida de valores para a qual a Encíclica Centesimus Annus chama a nossa atenção, qual seja: a qualificação do homem a partir da forma como ele se insere na sociedade, é a fonte de todas essas discrepâncias citadas no parágrafo anterior e de infinitas outras; é a explicação pela qual os governos mais corruptos foram e continuam sendo os revolucionários; é a explicação pela qual os governos que mais mataram e matam (de longe) foram e continuam sendo os revolucionários; é a explicação pela qual as sociedades mais sexualmente permissivas são e continuam sendo as revolucionárias. E é essa inversão que deve ser refutada com a verdade de que não é a mudança da sociedade que, pela mudança de feixes sociais, mudará o homem mas sim a mudança do homem é que mudará a sociedade. Embora a argumentação socialista guarde uma lógica interna (se o homem é qualificado pela posição que ocupa na estrutura social, alterada a estrutura social, alteramos o homem) essa argumentação não é real (não passa se um sofisma, de retórica) pois o homem não é qualificado pela posição que ocupa na estrutura social, já que é verdade fática que não é o homem que decorre da sociedade e sim a sociedade do homem. Ainda que se possa argumentar que existe uma relação dialética entre um e outro, na medida em que o homem influencia a sociedade e vice-versa, é verdade fática que não existe sociedade sem homem, embora possa existir homem sem sociedade.
E é essa inconsistência insolúvel do socialismo, eg, ponto de partida para todos os demais pensamentos dentro dessa doutrina socialista, que a Igreja, no texto acima, enfrenta, dizendo ser o homem o pressuposto da sociedade e não o contrário, motivo pelo qual todo o trabalho começa no homem e não na sociedade. Foi assim desde o início, quando o seu fundador, Jesus Cristo, assim se dirigiu a todos: “sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt5:48). E nem poderia ser diferente: como alguém poderia esperar de homens falhos uma sociedade ideal? O homem bom é o pressuposto da sociedade boa. “O homem tende para o bem, mas é igualmente capaz do mal; pode transcender o seu interesse imediato, e contudo permanecer ligado a ele.
A ordem social será tanto mais sólida, quanto mais tiver em conta este facto e não contrapuser o interesse pessoal ao da sociedade no seu todo, mas procurar modos para a sua coordenação frutuosa. Com efeito,
onde o interesse individual é violentemente suprimido, acaba substituído por um pesado sistema de controle burocrático, que esteriliza as fontes da iniciativa e criatividade.” Centesimus Annus – 25 (
http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_01051991_centesimus-annus_po.html)
Por isso muito mais frutífera a discussão proposta pela Igreja sobre como melhorar o homem do que a discussão proposta pelas ideologias modernas sobre como melhorar a sociedade. É claro que ambos (homem e sociedade) podem ser considerados em conjunto, como bem exposto pela Igreja abaixo, mas nunca sem ter a consciência de que o homem precede a sociedade: “Mas com o mesmo amor, a Igreja é impelida a interessar-se continuamente pelo verdadeiro bem temporal dos homens. Pois, não cessando de advertir a todos os seus filhos que eles "não possuem aqui na terra uma morada permanente" (cf. Hb 13,14), estimula-os também a que contribuam, segundo as condições e os recursos de cada um, para o desenvolvimento da própria sociedade humana; promovam a justiça, a paz e a união fraterna entre os homens; e prestem ajuda a seus irmãos, sobretudo aos mais pobres e mais infelizes.” Credo do Povo de Deus – 27 (
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/motu_proprio/documents/hf_p-vi_motu-proprio_19680630_credo_po.html)
Não é sem ter tudo isso em vista que a Igreja:
(1) recomenda: “para o cristão é válido que, se ele quiser viver a sua fé numa ação política, concebida como um serviço,
não pode, sem se contradizer a si mesmo,
aderir a sistemas ideológicos ou políticos que se oponham radicalmente, ou então nos pontos essenciais, à sua mesma fé e
à sua concepção do homem:
nem à ideologia marxista, ou ao seu materialismo ateu, ou à sua dialética da violência, ou, ainda,
àquela maneira como ele absorve a liberdade individual na coletividade,
negando, simultaneamente, toda e qualquer transcendência ao homem e à sua história, pessoal e coletiva,
nem à ideologia liberal, que crê exaltar a liberdade individual, subtraindo-a a toda a limitação, estimulando-a com a busca exclusiva do interesse e do poderio e
considerando, por outro lado, as solidariedades sociais como conseqüências, mais ou menos automáticas, das iniciativas individuais e não já como um fim e um critério mais alto do valor e da organização social.” Octogesima Adveniens – 26 e
(2) adverte: “Existiria o
perigo também de aderir a uma ideologia que não tem na sua base uma doutrina verdadeira e orgânica e de
refugiar-se nela como se se tratasse de uma explicação cabal e suficiente de tudo, e de arranjar, de tal modo, para si mesmo, um novo ídolo, de
que se aceita, por vezes sem disso dar-se conta, o caráter totalitário e constrangedor.
E pensa-se encontrar nisso uma justificação para o próprio agir, MESMO QUE ESTE SEJA VIOLENTO, uma
adequação para um desejo generoso de serviço; este permanece, mas deixa-se absorver numa ideologia que, muito embora proponha certas vias de libertação para o homem, acaba finalmente por escravizá-lo.” Octogesima Adveniens – 26 (
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_letters/documents/hf_p-vi_apl_19710514_octogesima-adveniens_po.html)
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(1) "(...) no governo João Goulart, quando os comunistas proclamavam estar no poder, o amigo do presidente não era o trapalhão P.C. Farias, mas um gênio do tráfico de influência, Tião Maia, que após a queda de seu protetor comprou a vigésima parte do território da Austrália, onde é hoje [fevereiro de 1995] a quarta maior fortuna do país. Quando lhe perguntam "Como?", ele responde: "O Banco do Brasil foi uma mãe para mim". CARVALHO, Olavo de in O imbecil coletivo I - atualidades inculturais brasieiras, 6a edição, São Paulo, É Realizações Editora, 2006, p. 235