sábado, 9 de maio de 2009

FUNDAMENTO LÓGICO DO CONSERVADORISMO


“Para que surja uma ciência é necessário: primeiro, que alguns indivíduos tenham algum contato com algum tipo de objeto na sua experiência real; segundo, não basta que eles tenham tido esses contatos, é preciso que esses objetos se tornem como imagens ou sinais relativamente estabilizados na consciência, a ponto de eles poderem falar dessas coisas. Isso tudo antes de aparecer a ciência. Por exemplo, quando aparece a geometria, antes de aparecer o primeiro geômetra é preciso que alguém tenha percebido que existem quadrados, triângulos, etc. Sem saber nada de geometria. Mas ele precisa poder identificar essas formas de maneira estabilizada e poder falar delas.

E você acha que o homem nasce sabendo isso? Não, isso dá um trabalho miserável ! Ou seja, um sujeito, uma geração percebeu; percebeu mas não criou os termos para aquilo. Então aquilo se perde, e a geração seguinte tem que perceber de novo. Aos poucos, se diz: foi estabilizado na linguagem, temos o nome para essa coisa, então podemos começar a falar dela. É muito tempo depois de se poder falar dela que surge a idéia de estuda-la cientificamente. Mas tudo isso depende de registros que permitam a cada geração o retorno às mesmas experiências intelectivas que permitiram o surgimento da primeira investigação. Se você não é capaz de ter as mesmas intuições que Euclides teve quando estava compondo “Os Elementos de geometria”, você não poderia entender nada da geometria de Euclides. É que ela está montada numa ordem lógica que lhe permite estudar cada teorema para você mesmo intuir as relações que ele está querendo lhe mostrar.”
(gn)

E como se dá essa ordem lógica? O próprio professor Olavo, de quem retirei as palavras acima (1), lança a idéia:

“Dizemos que uma ciência progride. Por que? Porque as descobertas da geração anterior são premissas para as descobertas seguintes. Se você descobre um novo fato, esse novo fato se torna a premissa menor de um silogismo cuja premissa maior são os conhecimentos adquiridos anteriormente. É assim que a coisa vai andando, pois se você descobre um fato novo, mas não tem premissas com as quais articula-lo, você não tira conclusão nenhuma, daí a coisa não foi nem para frente nem para trás. As ciências só existem porque a progressão temporal vai sendo gradativamente montada sob a forma de uma progressão lógica.

Se o que vem antes é premissa do que vem depois, existe não apenas a relação temporal, mas uma articulação lógica. Claro que essa articulação lógica não se produz por si, que é cada novo pesquisador que, tendo descoberto alguma coisa nova, tem que articular aquilo logicamente com a anterior. Se ele não conseguir articular, das duas uma: ou o fato que ele descobriu é falso e aquilo não acontece, ou então a teoria anterior estava errada, daí ele tem que montar de outro jeito.”
(gn)

Que o processo acima é uma verdade para o conhecimento científico não questionamos afinal, a própria ciência surgiu dessa constatação filosófica, que consistiu na aplicação do método com a consciência de que se estava aplicando-o. A questão que devemos nos fazer é se podemos aplicar essa mesma leitura para o conhecimento humano não exato como método para desenvolver o conhecimento em outras atividades humanas, em especial, nas atividades humanas.

Para isso, proponho ao leitor que faça a releitura do texto acima, no qual encontrará trechos que negritei na conclusão de que referidos trechos poderiam sim serem perfeitamente aplicáveis a qualquer tipo de conhecimento humano. Mais do que concluir que podemos utilizar esse processo, acredito devermos nos pautar nele para chegarmos a melhores conclusões. E lanço como fundamento desse argumento dois exemplos que julgo simbólicos:

EXEMPLO 1

Sócrates, quando nos mostrou que a beleza não era uma substância etérea mas algo que poderia recair sobre diversas substâncias diferentes, acabou nos ensinando que é possível usar a progressão lógica do conhecimento em conhecimentos que não são propriamente pertencentes aos ramos da matemática e da física (como a relação entre atributo e substância). No Capítulo VIII do Livro III do livro Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates(2), Xenofonte lança o seguinte diálogo:

“Outra vez, inquirindo-lhe [a Sócrates] Aristipo se conhecia alguma coisa bela:

___ Sim, conheço muitas coisas belas – respondeu.
___ Serão todas semelhantes?
___ Tanto quanto possível, há as que diferem essencialmente.
___ Como pode ser belo o que do belo difere?
___ Por Júpiter! Como de um bom lutador difere um bom corredor, como da beleza de um venábulo, feito para voar com força e velocidade, difere a beleza de um escudo, feito para a defensiva.”


Sócrates não estava anunciando uma lei física ou uma regra matemática, mas “apenas” a a idéia de que as substâncias poderiam ter atributos e de que esses atributos não se confundiam com elas, embora só pudessem existir nelas, como viria dizer Aristóteles depois de descer o mundo das idéias de Platão para o nível de equivalência ao mundo das substâncias que referidas idéias pretendiam descrever.

Esse ensinamento foi uma das bases de uma proposta de análise dos fenômenos pela clave da Singularidade/Universalidade que só foi possível partindo do acúmulo de outros conhecimentos anteriores (o de Sócrates, neste caso), tendo sido ele: (i) muito proveitoso em seguida, para Platão e Aristóteles, tendo gerado mais conhecimento e (ii) pouco proveitoso nos Cínicos, Céticos, Epicuristas e Estóicos.

Os frutos de Aristóteles foram possíveis a partir dos frutos de Platão e assim sucessivamente. O filósofo Aristóteles, se tivesse nascido na Inglaterra daquela época, não teria existido. E muitos gregos viveram na Inglaterra daquela época em plena Grécia pelo simples fato de terem decidido pela ruptura drástica com o legado até então acumulado em lugar de sua conservação. E foram morar em barris, consolidando um importante exemplo do impacto da conservação de conhecimento para a evolução ou, no caso, do impacto de sua não conservação.

EXEMPLO 2

O Irã, país que podia se gabar até o século passado de não dever nada a Europa em termos de filosofia, na Revolução Iraniana (1979), jogou tudo isso fora para ficar basicamente com uma parte atrasada de sua religião, e hoje conta, por exemplo, com um presidente que quando fora prefeito de Teerã, dois anos antes, obrigara todos os homens da administração pública a usarem barba e camisa de manga comprida (http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2005/06/050625_perfilahmadcg.shtml) e que hoje quer “riscar Israel do mapa”, seja lá o que ele, que corre tanto com seu programa nuclear, quer dizer com isso. E isso não é novidade nessa recente história de 30 anos da República Islâmica do Irã (quem não se lembra do ataque contra judeus na Argentina em 94 coordenado pelo presidente Iraniano à época (http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/fintimes/2007/05/15/ult579u2152.jhtm)?

É notório que, ao invés de avançar, o povo iraniano recuou séculos no tempo e hoje, aqui do século XXI, sequer conseguimos entender os discursos que vêm de lá. O movimento revolucionário iraniano, liderado parcialmente da França pelo aiatolá Khomeini (http://en.wikipedia.org/wiki/Neauphle-le-Ch%C3%A2teau), país de onde partiu para o poder no Irã (http://en.wikipedia.org/wiki/File:Imam_Khomeini_in_Mehrabad.jpg), influenciado por livros como Lês damnés de la Terre (http://en.wikipedia.org/wiki/The_Wretched_of_the_Earth), manual revolucionário comunista, traduzido para o persa (farsi) pelo Ali Shariati (http://en.wikipedia.org/wiki/The_Wretched_of_the_Earth), um dos principais ideólogos (se não o maior) da Revolução Iraniana (http://en.wikipedia.org/wiki/Ali_Shariati) que estudou islamismo, pasmem, com dois scholars franceses Luis Massignon (http://en.wikipedia.org/wiki/Louis_Massignon) e Jacques Berque (http://en.wikipedia.org/wiki/Jacques_Berque), jogou na lata de lixo uma imensidão de conhecimentos da cultura iraniana que deveriam ser conservados para que outras gerações pudessem avançar e que agora estão segregados até que a história prove empiricamente que a “não conservação” foi um ENORME erro (o que, no caso do Irã, deverá acontecer nas próximas duas gerações – quanto mais profunda a revolução, mais rápida ela acaba) e o processo evolutivo seja retomado.

E como isso poderia ser diferente? Da mesma forma que o foi para os Escolásticos, por exemplo, que mantiveram pela Igreja a religião judaica e o novo testamento juntos à filosofia grega e ao direito romano (3), o que permitiu o desenvolvimento do conhecimento adquirido até então, agregando, inclusive, grandes filósofos do Islã – São Tomás de Aquino, o maior escolástico, estudou profundamente Averrois (http://pt.wikipedia.org/wiki/Averr%C3%B3is) e Avicena (http://pt.wikipedia.org/wiki/Avicena), (este) por quem nutria grande admiração.

E, sendo o processo de acumulação de conhecimento um processo, como proposto por Olavo na transcrição que fiz no início do texto, por meio do qual o conhecimento novo se relaciona com o conhecimento conservado para, dialeticamente, formar uma nova síntese (evolução), podemos concluir que a conservação do conhecimento é logicamente necessária para a evolução dele, do que decorre, logicamente, ser o CONSERVADORISMO uma opção pela evolução e a REVOLUÇÃO uma opção pelo atraso, conclusão essa que, pela quantidade de exemplos históricos disponíveis, dispensaria o presente artigo.

(1) CARVALHO, Olavo de in Período Helenístico - coleção história essencial da filosofia, Aula 6, 1a edição, São Paulo, É Realizações Editora, 2006, p. 20 e 21
(2) Coleção Os Pensadores – Sócrates, 1996, Nova Cultural, p. 143
(3) RUSSELL, Bertrand in History of western philosophy, London, 2000, p. 19

2 comentários:

D disse...

Bem, pelo que percebo a palavra "revolução" em todos esses artigos tem em todos um uma conotação neqativa. Não saberia dizer se uma revolução só se define dessa maneira, mas consigo compreender a lógica da argumentação conservadora. Acontece que, entendo como o cerne da questão, o que acontece quando tudo se baseia em um conhecimento que pode estar completamente equivocado? Como por exemplo a história do cristianismo? ou a função do universo? ou a estrutura da vida?

Descortinar a essência da verdade como algo completamente diferente do que o conhecimento atual nos faz crer seria uma revolução ou uma evolução?

Rodrigo disse...

Não é a conotação que é negativa. É a própria definição de revolução que é negativa.

Acredito que descortinar a verdade geraria uma evolução (não uma revolução). [A evolução também (e necessariamente) comporta mudanças – a diferença é que a mudança da evolução parte dos aprendizados anteriores e a mudança da revolução não]. E espero estar certo de se tratar de uma evolução pois, do contrário, todas as coisas que aprendemos nesses anos todos (às quais atribuímos nossa situação evoluída em relação ao homem de neanderthal) não terão servido para nada, sequer para nos aproximar da verdade, e, como em uma perfeita revolução (aí sim revolução), teriam de ser todas descartadas.