quarta-feira, 6 de agosto de 2008

VIVO NO MEU MUNICÍPIO E SOU CIDADÃO DO MUNDO. NÃO ME VENHAM COM A DITADURA GLOBAL.


VIVO NO MEU MUNICÍPIO

Durante o ano em que morei nos EUA, a participação do americano na comunidade foi o que mais me chamou a atenção. E não estou falando dessa pseudo-participação que tanto se fala hoje, aquela do “vote, acompanhe e cobre o seu político eleito, tá aqui o e-mail dele”. Estou falando de participação de verdade, em que as pessoas se doam à comunidade e fazem algo por ela sem esperar retorno financeiro ou que outro o faça.

A Sra. English, por exemplo, dona de uma farmácia em Windsor, no alto de seus 81 anos, organizava o trânsito do município durante as nevascas. O Sr. Harting, engenheiro elétrico que trabalhava em Binghamton, município próximo, era vereador (trustee) de Windsor, técnico de um time de baseball do município e líder de escoteiros, sem nada receber por essas três atividades. A Sra. Harting, escrivã da prefeitura local, era a responsável por montar, em conjunto com outras pessoas como ela, todo o cronograma de jogos regionais da estação de baseball, sem nada receber por isso. Minha melhor amiga, a Sarah, jornalista bem sucedida, que acabou de comprar uma casa, é bombeira !! Sim, bombeira, sem nada receber por isso. O pai dela, professor de ciências do colegial, é integrante do 911 e atende emergências sem nada receber por isso, assim como a grande maioria dos atendentes do 911. Outro grande amigo meu, o Jim, quando ficou mais velho, se tornou técnico de time de baseball da cidade também, sem nada receber por isso. E não pára por aí. Tínhamos as organizações locais com maioria, quando não totalidade, de voluntários, como, por exemplo, era o caso do grupo contra as drogas. Os mais acomodados participavam de jantares beneficentes ou patrocinavam alguma dessas estruturas locais e seus eventos. Hoje, se quiser, existe, inclusive, a opção de ajudar sem sair de casa: http://www.kiva.org/, embora a ajuda aqui não esteja no plano municipal. Até eu acabei entrando nessa vivência cultural e, à época, sem entender muito inglês, ajudei o município na venda de hotdogs e hamburgers a preço de custo no parque instalado na cidade, bem como a recolher metais recicláveis por toda Windsor em uma campanha de conscientização.

E tudo isso me mostrou com uma clareza infinita do que era realmente composta a estrutura dos tão falados “estados unidos”. A estrutura não era formada de estados, mas sim de municípios ou, melhor dizendo, de comunidades, estas muito bem cuidadas pelos seus habitantes, que buscam atingir suas metas e resolver seus próprios problemas, esperando pouco de um governo central, quando não apenas aquilo que a grande mídia dizia que eles tinham que esperar.

Isso porque americano de verdade não espera um herói, seja ele um presidente ou governador ou congressista ou líder religioso, para resolver a sua dificuldade mundana ou para atingir a sua meta. O americano de verdade é o herói dessa história! E o herói é o americano da rua, aquele mediano, padrão. Presidente popular lá é aquele que faz com que as pessoas se sintam capazes de superarem suas próprias dificuldades e de serem grandes. Não aquele que promete mundos e fundos. É dessa forma de pensar, por exemplo, que a maioria das corporações enterrou a figura do chefe e extraiu o atual conceito de líder.

Se pensarmos no país como um órgão, composto por tecidos, seus estados ou províncias, que por sua vez são compostos por células, seus municípios, entenderemos melhor que o bom funcionamento do país (órgão) depende e tem por pressuposto, o bom funcionamento das comunidades/municípios (células), embora o inverso não seja verdadeiro e, muito provavelmente, sequer verificável.

Se as células de um tecido estão bem, o tecido também estará. Se os tecidos de um órgão estão bem porque suas células estão bem, então também o órgão estará. Isso tudo demonstra com mais clareza o que deveria ser óbvio: uma nação tem chances reais de sucesso (leia-se: de permitir e favorecer o desenvolvimento integral da personalidade humana) quando suas dificuldades e problemas são resolvidos em nível municipal ou, se preferirem, comunitário, pelo envolvimento direto de seus habitantes.

Por isso, sempre que vejo o fortalecimento dos estados e/ou da união fico com a sensação de estarmos na contramão de um modelo que deu certo e que, mesmo lá, nos EUA, infelizmente está sendo abandonado. A União e os Estados devem ser personagens importantes como chefes de estado e não de governo, se me permitem o paralelo, com um bom exemplo disso bem diante de nós: a União, no regime militar, que foi um excelente chefe de estado e um péssimo chefe de governo.

Por isso, acredito que nosso bem estar depende da MUNICIPALIZAÇÃO de nossa estrutura de Estado.

SOU CIDADÃO DO MUNDO

Essa realidade não afasta, porém, o fato de hoje sermos cada vez mais cidadãos do mundo. Se uma fábrica paraguaia polui um rio que passa pela minha cidade brasileira, terei interesse em eventual decisão judicial paraguaia que apreciar a questão, assim como tal decisão tornará visível e real, em minha cidade, um poder estrangeiro, que não se submete aos seus limites politicamente estabelecidos, quer nosso Supremo Tribunal Federal queira ou não. O mesmo vale em relação a crimes praticados em minha comunidade via internet, por exemplo, situação em que o poder que eventualmente recairá sobre o município será o poder estrangeiro. E assim vale para todos os interesses chamados de difusos (aquele indivisíveis, cuja resolução ou beneficia a todos ou não) que extrapolam os limites territoriais (políticos) de uma nação.

Nesse sentido, por óbvio que a territorialidade na qual o Estado de Direito exerce sua soberania é artificial, não é verdadeira. Ela vale quando conseguimos fazer valer. Porém, quando não conseguimos, ela deixa de existir.

Como essa figura artificial de um Estado de Direito Territorial se enfraquece cada vez mais perante questões difusas cada vez mais presentes em um planeta cujos habitantes estão, na mesma proporção, cada vez mais integrados, vão se abrindo espaços cada vez maiores para idéias de mundialização dos países.

Essas idéias, na verdade, já compõem um movimento que busca a formação de um Governo Global e que já tem pequenos filhos espalhados pelo Globo, dos quais dois se destacam: a ONU e a União Européia.

Por óbvio, depois de termos extraído da realidade municipalizada dos EUA um relevante, senão determinante, motivo do seu sucesso, falar em Governo Global constitui um atraso político, atraso maior do que pensar no fortalecimento da União, quando não é pura má intenção de quem está vendido para o poder. Porém, da mesma forma, parece constituir um atraso acreditar na existência de um limite territorial ao exercício de poder do Estado de Direito em um planeta globalmente integrado, momento em que, a partir dessas duas conclusões, só nos resta extrair a seguinte pergunta: estamos diante de um paradoxo? Vivemos no município ou somos cidadãos do mundo? Conseguimos combinar as duas necessidades (municipalização e desmistificação territorial do poder de Estado)?

Não estamos diante de um paradoxo, senão aparente, pois conseguimos combinar as duas necessidades se reconhecermos que elas se realizam (ou devem ser realizar) em planos diferentes. Enquanto a municipalização é desejável na forma de um “chefe de governo” (administrador) a integração global pode trazer benefícios na forma de um “chefe de estado” (articulador). Trocar uma forma pela outra é jogar fora a experiência de sucesso e buscar a pura e simples concentração de poder. E, infelizmente, é isso que verificamos atualmente. A influência do pensamento de esquerda vem fortalecendo a União e, tanto quanto possível, as partes que já existem desse governo global: (1) na contramão da formação de comunidades que permitam o bem viver do ser humano e (2) em direção a concentração de poder e, consequentemente, na formação da tão sonhada ditadura do proletariado, que, adaptado à realidade contemporânea, não passa de uma ditadura de burocratas, pessoas que não conseguiram ser nem empreendedores, nem proletários.

2 comentários:

D disse...

Ro, esse texto esta excelente! Estou muito orgulhosa da sua escrita, nao como uma tutora obviamente, mas como sua prima, prima de sangue, essas baboseiras.

Ro, como voce acha que poderia ser feita a ponte de informacoes entre um governo global e as comunidades (CELULAS) ativas?

Penso muito nisso que voce escreveu, brevemente vou escrever coisas como essa no meu blog. Estou na Inglaterra, preciso voltar logo para a Espanha, onde coloco em ordem meus pensamentos.


Lugares... nao valem mais do que as ideias!

Beijos.

De.

Unknown disse...

Nossa, Bandeirante, não sabia que você escrevia em favor da Nova Era !?!? Você sabe que essa combinação de pensar globalmente (com visão global, cultura global e até espiritualidade global) e ação local é uma combinação da nova era, certo !?