quarta-feira, 8 de abril de 2009

* * * * PÁSCOA * * * *


Alguns pensadores contemporâneos têm recebido cada vez mais aplausos por aí por afirmarem ser muita pretensão do homem dizer que um Deus, por ele mesmo descrito como sendo supremo, onipotente, onisciente, onipresente, completo e perfeito, o ama, justamente ele que é também por ele mesmo descrito como sendo um ser incompleto, limitado, falho e pecador. Perguntam-nos esses senhores como podemos falar de um Deus criador de todo esse Universo, obra de beleza e complexidade quase infinitas, perfeito e completo amando o homem, que nós mesmos descrevemos como uma criatura pecadora?

Para esses pensadores, nossa linha de pensamento, além de não poder ser provada (ponto já superado no artigo VOCÊ ACREDITA EM PAPAI NOEL? E EM DEUS?), não faz sequer sentido. Mais do que isso, segundo esses senhores, nossa crença revela o tamanho de nossa limitação intelectual, que deixa de ver a “verdadeira insignificância do homem perante o todo” e o faz ficar inerte a toda “sua responsabilidade existencial”. E, por fim, concluem zombando: como poderia um ser tão supremo como vocês descrevem ser Deus amar um ser tão mesquinho, insignificante e pecador como o homem !?

Esquecem-se esses senhores que os gregos, há milênios, já nos ensinaram a enxergar melhor o que seria o AMOR, tendo esse ensinamento sido coroado pelos ensinamentos de Cristo do que seria essa virtude, para muitos a VIRTUDE MÃE, que permite, por si, a presença de todas as outras virtudes: a polidez, a fidelidade, a prudência, a temperança, a coragem, a justiça, a generosidade, a compaixão, a misericórdia, a gratidão, a humildade, a simplicidade, a tolerância, a pureza, a doçura, a boa-fé e até o humor.

Nesses ensinamentos, que vêm de Hesíodo, Parmenedes, Heráclito, passam pelo Mito de Aristófanes e pelo Banquete de Platão e culminam no Sermão da Montanha de Cristo e na Primeira Epístola de São Paulo aos Coríntios, o amor passa a ser visto sob três principais facetas:

EROS – é aquele amor que nasce da falta, falta de algo que não temos e que encontramos no outro, que segundo o Mito de Aristófanes, é nossa metade separada por Zeus (nossa alma gêmea); é o amor-interesse em algo que nos falta.

PHILIA – é aquele amor que nasce da amizade que adquirimos a algo que nos é agradável, como é o amor (philia) a sabedoria (sophia), por ser esta agradável – philia sophia, filosofia; é o amor-interesse em algo que nos agrada.

ÁGAPE – é aquele amor que difere do amor interessado ora em algo que lhe falta (EROS), ora em algo que lhe agrada (PHILIA); é aquele único amor que permite o impossível tanto para Eros como para a Philia, que é amar o seu inimigo, o que só é possível para um amor desinteressado –

“Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, (...) Se amais os que vos amam, que recompensa mereceis? Também os pecadores amam aqueles que os amam [PHILIA]. (...) Pelo contrário, amai os vossos inimigos, fazei bem e emprestai, sem daí esperar nada [ÁGAPE]. E grande será a vossa recompensa e serei filhos do Altíssimo, porque ele é bom para com os ingratos e maus.” Lc 6, 27-35;

é aquele amor que se chama caridade (e Ágape é a palavra grega para caridade, que hoje tem um sentido reduzido) pois esse amor é todo doação, como tão bem descreve São Paulo ao sobre ÁGAPE dizer que:

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade [ÁGAPE], sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria! A caridade é [e vejam aqui todas as virtudes citadas acima aparecendo dentro da virtude mãe, que é o amor, fonte das demais] paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A CARIDADE JAMAIS ACABARÁ [gn]. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará. A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido. Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade – as três. Porém, A MAIOR DELAS É A CARIDADE.” [fé e esperança deixarão de ser, a caridade jamais acabará].

essa é a Ágape.

Pressupor que Deus ama o homem porque o homem é objeto de amor, porque o homem é amável, porque desperta o interesse de Deus que, a partir disso o ama como se estivesse Ele interessado em algo que lhe agrada [PHILIA] realmente não é o que parece ocorrer e nisso concordo com esse povo todo aí. Agora, dizer que nossa crença é intelectualmente limitada é prova da própria limitação intelectual, pois deixa de entender que para o cristão, o amor de Deus é o amor ÁGAPE. Não o PHILIA. É assim que Deus, como disse Jesus, “é bom para com os ingratos e maus”. Deus nos ama não pelo que somos, mas porque Ele é todo amor [ÁGAPE]. E somos amados por Deus não por presunção nossa, mas pela grandeza Dele.

Até um ateu, André Comte-Sponville, parece ter entendido isso, deixando isso registrado de maneira interessante em seu livro Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, na 1ª edição da Editora Martins Fontes, de 2002, na página 299:

“O amor que Deus tem por nós, segundo o cristianismo, é ao contrário perfeitamente desinteressado, perfeitamente gratuito e livre: Deus nada tem a ganhar com ele, já que nada lhe falta, nem existe mais por causa dele, já que é infinito e perfeito, mas ao contrário se sacrifica por nós, se limita por nós, se crucifica por nós e sem outra razão a não ser um amor sem razão, sem outra razão a não ser ele mesmo renunciando a ser tudo. De fato, Deus não nos ama em função do que somos, que justificaria esse amor, porque seríamos amáveis, bons, juntos (Deus também ama os pecadores, foi inclusive por eles que deu seu filho), mas porque Ele é amor e o amor, em todo caso esse amor, não necessita de justificação. ‘O amor de Deus é absolutamente espontâneo’, escreve Nygren. ‘Ele não procura no homem um motivo. Dizer que Deus ama o homem não é enunciar um julgamento sobre o homem, mas sobre Deus’. Não é o homem que é amável; é Deus que é amor. Esse amor é absolutamente primeiro, absolutamente ativo (e não reativo), absolutamente livre: não é determinado pelo valor do que ele ama, que lhe faltaria (eros) ou o alegraria (philia), mas, ao contrário, ele determina esse valor amando. Ele é a fonte de todo valor, de toda falta, de toda alegria.”

E complementa que, segundo Nygren:

“A agapé é um amor criador. (...) A ágape não constata valores, cria-os. Ela ama e, com isso, confere valor.”

E é daqui que tiramos, sem presunção alguma, nossa grandeza. Não somos amados por Deus porque somos grandes. Somos grandes porque somos amados por Deus, que é grande em amor. E é esse amor que proponho que nos lembremos nestes feriados da Paixão (entrega de Si e de seu filho por amor ao homem) e da Ressurreição do amor que “jamais acabará”. Feliz Páscoa !

2 comentários:

D disse...

Costumo usar feriados como descanso, confesso, mas senti vontade de me esconder em um cantinho de alguma igreja esse fim de semana a mó de fazer um religari básico com o mestre dos ágapes.

D

Anônimo disse...

Rossi, pretendo visitar mais o seu blog, confesso que fazia um tempo que não vinha aqui. Abraço, Ronaldo Bassitt